Dor – o quinto sinal vital
É com um misto de felicidade e cautela que venho acompanhando as notícias sobre tratamento da dor depois da decisão do Conselho Federal de Medicina de tornar a medicina da dor uma especialidade.
Indubitavelmente um avanço importante para a classe de médicos intervencionistas e para milhares de pessoas que poderão se beneficiar no futuro quando estes novos profissionais de dor forem treinados.
Haja visto que, há mais de dez anos a Sociedade Americana de Dor declarou a avaliação da dor o quinto sinal vital, colocando-o no mesmo patamar da temperatura corporal, pressão arterial, pulso e respiração, aqui no Brasil ainda caminhamos a passos lentos para a universalização do alívio da dor em nossos serviços de atendimento à saúde. Quantos são os médicos que utilizam a Escala Visual Numérica, a mais simples, para avaliar a dor quando presta assistência ao paciente?
Vamos conhecer um pouco mais a história da questão. Em 1995, a Associação Médica Mundial sobre os Direitos dos Pacientes emitiu a Declaração de Lisboa falando do Direito à Dignidade, do Direito a não ter Dor. Um ano mais tarde nos EUA foi preconizada e regulamentada como o quinto sinal por proposta da Sociedade Americana de Dor. Tornou-se lei o direito de todos os pacientes serem assistidos na dor.
E assim como o quinto sinal vital, não basta reconhecer mais um especialidade e parar por aí.
É preciso, acima de tudo, fazer valer esse direito universal do paciente de ser assistido na sua dor, concretizando-o no nosso país mediante a implementação de uma legislação abrangente. É preciso que os planos de saúde reconheçam isso e que ofereçam cobertura para terapias de dor.
Ao contrário do que muitos pensam, tratar a dor não é dinheiro jogado fora; é dinheiro público que seria destinado à promoção de saúde ao invés de gastos com tratamento de dor curativo. E nas empresas privadas, oferecer tratamento de dor para seus funcionários significa um ganho no final do dia no que diz respeito ao absenteísmo e o custo que gera para uma empresa.
Cito dois exemplos: 1) o paciente pós-cirúrgico. Se for tratado para dor antes de sentí-lo, teria muito mais efeito e demandaria muito menos recursos do que se for tratado quando a dor se instalar, além de poupá-lo de sofrimento psicológico desnecessário; 2) o funcionário administrativo que sente dores todos os dias por ficar sentado muitas horas numa mesma posição. Com o tempo esta dor se torna crônica e o tratamento de um funcionário doente custará mais do que a prevenção praticada logo no início.
É preciso que o colega médico abrace esse novo conceito da dor, preconizado mais de uma década atrás. Há muito ainda a ser feito nas escolas de medicina na formação do médico, imbuíndo-o desde então com o conceito de tratamento preventivo de dor, não meramente curativo.
Pacientes também têm de ser instruídos com relação à sua participação ativa no tratamento de sua dor, e no processo adquirir novas formas de encarar a dor. Na formulação de um plano de tratamento, o médico precisa levar em conta o sistema de valores/crenças individuais. Cada paciente tem de tomar uma postura participativa no seu tratamento, não somente seguir instruções passivamente.
Nas últimas semanas, revistas de renome publicaram especiais sobre o assunto, que é a bola da vez. Acho excelente, como disse na semana passada, e penso que agora a dor está tendo o destaque que sempre mereceu; no entanto, explicações sobre dor e diagnósticos à parte, há muito ainda a ser dito sobre o arsenal de terapias minimamente invasivas disponíveis em centros de dor, como por exemplo a radiofrequência pulsada e convencional, sobre como funciona uma equipe interdisciplinar e a importância disso para o paciente.
Tudo isso remete a dez anos atrás, na época em que eu e meu parceiro Dr. Fabrício Dias Assis começamos a nossa jornada na dor, muitos encaravam a área com ceticismo; mas, por nenhum momento paramos de acreditar que um dia o controle da dor teria o destaque que está tendo hoje. Trabalhamos duro aqui no Brasil, e no estrangeiro, para disseminar as inovações e as técnicas minimamente invasivas, aprendendo com uns, ensinando a outros, compartilhando com mais alguns. Em 2009, junto com Dr. Carlos Tucci, montamos nosso centro de dor, Singular, em Campinas.
Levou dez anos para a área ser reconhecida como especialidade. Assim como naquela época acreditamos no crescente sucesso da nossa especialidade, seguimos hoje na crença de que um dia ainda veremos o quinto sinal vital ser levado tão a sério quanto os outros quatro.
E nessa nota termino. Que não haja somente um tratamento superficial da dor em todos os sentidos. Que o público reivindique esse direito, que meus colegas profissionais de saúde exijam que seja aplicado, e que os pacientes que sofrem as dores, em cada canto do Brasil, tenham o direito ao alívio da sua dor.
Sobre o autor: Doutor Charles Oliveira
títulos e afiliações
Anestesiologista (1996) e médico intervencionista da Dor, com certificado na área de atuação em dor pela Associação Médica Brasileira (2002).
Fellow of Interventional Pain Practice -WIP (World Institute of Pain)(1997)
Membro da American Society of Interventional Pain Practice (ASIPP)
Membro do Grupo de Intervencionismo de Dor do Hospital Israelita Albert Einstein.